17.9.07

Da percepção

O momento decisivo foi perceber o tempo. Não abstrato como antes, tempo de papel, mas o tempo tal qual existia. Existia? Sim, decidiu que sim. Existia e passava nem depressa nem devagar, mas na própria cadência. Tinha um pouco de árvore na percepção. Uma certa manhã acordou e sentiu falta de uma árvore. Como não tinha árvore por perto, e não era algo fácil de se comprar na grande magazine da esquina, veio em seguida uma pequena tristeza. E ciente de que o mundo inteiro estava triste de alguma forma, pensou que talvez algo tivesse ficado pra trás, já que agora, nesse momento, desse domingo bem cedo, integrava-se definitivamente à tristeza do mundo inteiro. O tempo era formado de vida e morte, seguida uma da outra. A resistência vinha da impossibilidade, da não-escolha.
E tinha um silêncio que andava na sua própria cadência por baixo da terra, dos pés, das rodas e das ruas. Esse silêncio é que não tinha nome. Esse silêncio é um que às vezes pulava no peito das pessoas soltas, cravando uma coisa que também não tinha nome, e que costumava fazer baixar os olhos e tomava conta das coisas começando por dentro, como bolhas de tinta que vão se unindo aos poucos, num domingo de manhã, o silêncio vem da sala, um pouco da cozinha, um pouco da rua, um pouco de dentro, a tristeza na memória, no azulejo, um pouco de fora, um pouco de dentro.

Um comentário:

Gabi Romeiro disse...

O tempo era formado vida e morte, seguida uma da outra.
Isso vai ficar na minha cabeça por muito tempo.
A imagem da tristeza do mundo inteiro me pareceu, por incrível que pareça, um tanto otimista, pela mania de achar que tristeza tem a ver com dignidade.