30.7.07

Por desencostar-se

Caio encostou-se no batente da porta e ali ficou longo tempo, a imaginar se seria mesmo melhor entrar. Pois sim. A decisão não era qualquer uma. Adentrar a porta e encontrá-lo então, depois do que havia passado, encarar a própria cara despida das caras de antes. Mãos suando, nem mais nem menos que sempre que pensava em.
Tudo bem podia até ser de não entrar. Quem sabe pular a janela, tomar sol na praça, tomar uma pinga forte e então entrar só depois de se suicidar três vezes, tomar cinco doses, outros tantos sóis. E só.
Idéia idiota, otário! Quantas vezes fugiu, oras chega! Afinal muitas horas haviam passado, muitos limões e muitos sóis. Desde que estava no batente, já se matara pelo menos uma vez por dia em nome de qualquer coisa, pra agüentar o próximo.
E o próximo era sempre o mesmo, o dia era sempre um batente, um quase entrar, um quase vencer, um quase ser. Era por isso, e nada mais que ali estava: pernas bambas, olhos fortes num canto qualquer.
Entrou como quem quebra com muita dificuldade o ovo do qual vai nascer. Nasceu frente a frente, ele e os olhos sem jeito no espelho. Agora não tinha mais porquê, estavam a sós. Entrou por desistir e não ter mais nada do que se lembrar. Quebrou a casca.
Morte lenta é nascer. Morte lenta é esperar. E morte é sempre morte. E hoje ninguém mais o reconhece tanto que anda por aí com sua própria cara e palavra, caindo pelas esquinas, cheio de prazer e gozo recente. Rindo pelas escadarias de por aí. No lugar por aí Caio agora se encontra. Ninguém mais o encontra. Caio morreu pra todo mundo e teve que nascer sozinho. Sem antes... sem nada...

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