22.10.09

Buraco-caminho que não consigo enxergar - por que lado me encaixo nesse mundo?
Onde, poderia eu ser útil?
Coladora de selos no correio?
Alguma função subterrânea, silenciosa e essencial?
Por onde?
Por onde não se sentir deslocada, comprimida, ressignificado vazio da utilidade?
Sair por aí em busca de algo digno de mim e do mundo.
Repetição. Máquina. Meditação.
Em que buraco-gravata eu me encaixo no esporro desse mundo desgovernado?

Chega!

Impulso infantil rasgando a garganta, cortando a boca no dente-lábio, rabiscando de sangue, cara e braço.

Tua loucura é tua criança.
Mata-a e serás livre.

Repete. Medita. Respira. Repete. Acorda. Repete. Mata. Mata. Mata.

Mata essa criança chorona.
Engole o choro.
Triste pela possível ausência triste da locomotiva.
Dividida, dividindo a carne, como está agora a alma - Entre lutar pelo mundo e lutar por mim - contra o mundo.
Inimigo invisível.
O soco no ar se volta contra o próprio rosto.

Mata a criança chorona.

Que não tem buraco nesse mundo que suporte tanto rasgo.

Hello, stranger!

Te desejo subterraneamente
Algum olho meu que não posso ver
Te enxerga no dentro
Não lembro
Mãos minhas que não sinto
Te tocam
Esse você que foge quando está do meu lado.
Ventos de outras terras abrem meu caminho até você
E o seu pra onde quiseres...
Me perco
No você de barro
Criado pelos meus olhos e mãos que tocam.
Me perco
Nas minhas mãos, olhos e ventos
Em você
Enquanto sonho.

5.10.09

Entrei no ônibus, sentei.
E o menino puxou logo assunto comigo. Tava eu já poentando sozinha "nua desarmada, sem máscara ou maquiagem, sem brilho pré fabricado no olhar, sem risco gratuito na alma, nua desarmada, sem enfeites, sem culpa".
Interrompeu meu poema mental, o menino.
Disse que eu lembrava uma amiga que ele amava, mas que ela tinha casado com um cara mala, tão mala, tão mala, e eu desarmada que tava, me pondo a rir da cara dele.
"Ser grande é reconhecer grandeza no mais rele e vil ato". Pensava eu antes da voz doce do menino me interromper. Abandonou a escola, porque só ia lá pra dormir, porque trabalhava muito e ficava com sono. Chamavam a diretora e olha isso, vê se tem condição, o menino. Largou.
Disse que eu lembrava a tal amiga, impressionante o tanto, de jeito, de simpleza, de humildade assim, sabe? Que eu era assim, impossível não gostar, e eu desarmada, em branco, sem passado e sem idade, ouvindo que é difícil hoje em dia gostar de alguém, e que no fundo ele odeia aquele mala que casou com ela, como pode, e que eu fazia ele lembrar o ódio que ele sentia, mas que tudo bem, eu era leve e calma, como podia tanto? - mal sabe, ele - eu besta, desarmada, enxergando ouro, tão desarmada, enxergando doce, tão desarmada vendo menino doce dentro do menino, tão doce sentindo o doce da boca do menino doce.