29.12.07

Tava todo mundo blefando.
Engraçado, agora que eu realmente percebi isso, parece bem estranho.
É isso que vejo quando olho pros lados e encontro as pessoas.
É como se todo mundo tivesse blefado, na verdade, e eu tivesse dado as mãos pra um monte de gente que estava só de brincadeira, se desfez a brincadeira de roda e foi todo mundo fazer coisas sérias, foi todo mundo virar essa massa disforme, pior, essa massa uniforme que viraram. Viramos? Ou talvez meu momento revelação ainda não tenha chegado. O momento crucial em que vou assumir como minha, a última moda da C&A.
Arrumar um tributável e viver meu cotidiano normalmente.

Sentem pena de mim. Eu também sinto pena deles. Muita.
Me olham com olhos que dizem algo como "Você ainda tá nessa?"

E aonde é que ta todo mundo?

Estão submissos aos seus respectivos superiores.
Tava todo mundo blefando. E cada vez que repito isso me vem mais uns três ou quatro semblantes mentirosos.

Pior é pensar que tem gente blefando pra mim agora.
...
Peraí, eu não to de brincadeira, entenderam?
Eu não to blefando.
Quem estiver blefando, se retire.

26.12.07

Lembrete:

Ana.
Quando eu tiver uma.

Filha ou personagem. O nome dela deve ser Ana. Como minha bisavó pernambucana que eu conheci hoje por fotografia.

Linda. Forte. Ana.

Pra próxima personagem forte que vier.

Ana. E nada mais.

3.12.07

Ele- Não te irrita e assusta?
Ela -O que?
Ele -Pessoas. O tempo todo, em todos os lugares.
Ela -Não
Ele -E ficar só? Aquele silêncio...
Ela -Um pouco.
Ele -Os dois me assustam profundamente. Quando estou só, quero pessoas. Na multidão, tudo que quero é o silêncio. Desculpa, se quiser eu paro de falar...
(silêncio)
Ele - Não fica calada, tem me doído um pouco não saber exatamente o que o outro pensa e me dói ainda mais saber que nunca vou ser o outro, serei sempre eu mesmo a medida pras outras coisas. Essa falta de lucidez me mata...
(silêncio)
Ele -Fala qualquer coisa.
Ela -Calma, to pensando.
(tempo)
...
Ela -O que foi que aconteceu?
Ele -É o que venho tentando descobrir.
Ela -Mesmo?
Ele -Na verdade às vezes, porque quase nunca fico só e quando fico tenho medo de pensar.
Ela -Até de pensar?
Ele -É. Porque parece que toda vez que parei pra pensar antes só piorou tudo.
Ela -Sei...
Ele –Na verdade... faz tempo que quero te pedir uma coisa.
Ela -Pede.
Ele -Devolve minha ternura? Aquela que eu sei que tinha, você escondeu!Eu quase te liguei num dia desses, tinha me dado assim uma grande vontade de te dizer qualquer coisa, deve ser coisa de sábado à noite, eu ia te contar uma coisa que descobri sobre você, e tenho certeza que você não sabe. Sabe... Qualquer coisa...

Ela -Não posso devolver.
Ele -Devolve sim! Devolve e eu te conto o que ia te contar se tivesse te ligado, se eu não (interrompe) De novo....
Ela -Não posso te devolver isso.
Ele -Por que?
Ela -Porque eu não guardei. Como você deve ter percebido, não tenho carregado comigo
Ele -Mas você arrancou de mim. Vai dizer que não guardou?

Ela -Não arranquei não. Foi você que me deu. Você jogou fora. Disse que não ia mais precisar. Disse que estava querendo algo menos assim.
Ele -Eu fiz isso?
Ela -Fez
Ele -Mas eu perdi tanta coisa com isso.
Ela –Perdeu.
Ele -Então, agora o que eu faço?
Ela -Não saber já é um pouco de.
Ele -Entende que cansei das palavras?
Ela -Como assim?
Ele -Tenho a palavra ternura, mas não tenho. Não sei. Pra que serve então?
Ela -Pra falar.
Ele -Não tem outro jeito?

....

Ele –Olha... O corpo sabe, a cabeça não sabe.
Ela -O que?
Ele -Quando você passava dizendo, dizendo coisas que eu não entendia... Eu dizia coisas também.
Ela –É?
Ele -Eu dizia.
Ela -Eu nunca ouvi.
Ele -Eu teria me salvado se você tivesse ouvido.
Ela –Eu nunca vou saber se teria sido minha salvação.
Ele -Digo, porque só eu sei o que eu diria.
Ela -Pode ser.
Ele –É.
.
.
.
.
Ele -A cabeça não sabe, é o corpo que sabe. Ta, era isso o que eu ia te dizer naquele sábado à noite que eu não liguei: Eu ia dizer que quando você passava dançando em frente aquela farmácia, todo dia às 7h43 da manhã você falava uma série de coisas bonitas. Eu também dizia um monte de coisa, mas do meu jeito. E a gente conversava, todo dia, um minuto, porque você chegava, esperava um minuto e o ônibus vinha, a gente tinha uma vida junto naquela época. Eu coçava a cabeça e te olhava, você virava pro outro lado, ou pro meu lado, quando a conversa estava mais interessante.
Ela- O que você ta falando? Eu nem te conhecia.
Ele -Mas eu te conhecia tão bem quanto agora.
...
...
...
Ele- Minha ternura tava naquela sua saia azul da terça-feira. Aquela de nunca mais. Nunca mais. Nunca mais manhãs de terça-feira, nem passar a segunda à noite ansioso pela manhã de terça. Isso que eu perdi pode ter qualquer nome... o que importa é que não tenho mais.