17.9.07

Da percepção

O momento decisivo foi perceber o tempo. Não abstrato como antes, tempo de papel, mas o tempo tal qual existia. Existia? Sim, decidiu que sim. Existia e passava nem depressa nem devagar, mas na própria cadência. Tinha um pouco de árvore na percepção. Uma certa manhã acordou e sentiu falta de uma árvore. Como não tinha árvore por perto, e não era algo fácil de se comprar na grande magazine da esquina, veio em seguida uma pequena tristeza. E ciente de que o mundo inteiro estava triste de alguma forma, pensou que talvez algo tivesse ficado pra trás, já que agora, nesse momento, desse domingo bem cedo, integrava-se definitivamente à tristeza do mundo inteiro. O tempo era formado de vida e morte, seguida uma da outra. A resistência vinha da impossibilidade, da não-escolha.
E tinha um silêncio que andava na sua própria cadência por baixo da terra, dos pés, das rodas e das ruas. Esse silêncio é que não tinha nome. Esse silêncio é um que às vezes pulava no peito das pessoas soltas, cravando uma coisa que também não tinha nome, e que costumava fazer baixar os olhos e tomava conta das coisas começando por dentro, como bolhas de tinta que vão se unindo aos poucos, num domingo de manhã, o silêncio vem da sala, um pouco da cozinha, um pouco da rua, um pouco de dentro, a tristeza na memória, no azulejo, um pouco de fora, um pouco de dentro.

2.9.07

-Olha vou te perguntar uma coisa que pode parecer, e vai, repetitiva, pobre, besta. Mas é que quando te pergunto coisas é como se desfolhasse a mim também.

-Pergunta - Disse ela com a mesma calma desesperada de sempre.

-Assim... (pausa)

Parou pra coçar a cabeça como quem não sabe bem se quer, deve dizer qualquer coisa.

-... Se você soubesse, tivese uma certeza muito clara de que um dia desses seria o último, seu último dia

Ela parou fixos os olhos castanhos escuros, porque esse tipo de pergunta besta, clichê e sem cabimento sempre acabavam com ela, mexiam o estômago pra lá e pra cá.

-Não sei.
-Não quer pensar
-Não é isso
-Não?
-Não sei. Eu não quero um último dia assim, chamado "último dia".

-Mas e se.

-Tá, não sei. Eu ia querer conhecer sua casa. Ia resolver minhas três paixões mal curadas, remexer nelas também, pegar o telefone e dizer coisas de "eu te amo" a "eu te odeio" a "sabe aquele beijo? Vem correndo, hoje não vou arrotar coca-cola na hora h". Ia fazer chover dentro do meu apartamento, venho pensando nisso faz tempo, só pra ver a TV molhada. Ia pendurar plantas no cano do chuveiro, depois sair por aí e quando desse a cara com a porta da sua casa, amarela, ia bater pedindo pra ver suas coisas, investigar suas portas e garagens, seus tapetes, suas xícaras e restos, até achar num canto essa sua máscara de carnaval que você não tira!

Olharam-se tristes e coloridos, ventando aquele vento quente dessas noites que às vezes acontecem. Ela ameaçou tirar a máscara, mas ele impediu. Então estendeu a mão sobre a máscara dele, mas ele olhava um não sóbrio.

Ele levantou-se, segurou sua mão e levou-a pra ver o sol nascer um outro dia, logo ali, bem perto.