30.5.06

Porque toda liberdade começa numa grade (27o concurso MALDITo)

O olhar pregado no fim do corredor, espera qualquer sinal de vida. Um rato, um vento. E nada.
Nada acontece nunca.
Ninguém aparece, é ele e o vazio trancados numa cela suja.
Ânsia de falar, chorar, gritar, como uma criança mal compreendida. Mas permaneceu no silêncio total.
Um pedaço de espelho no empoeirado canto esquerdo do cubo, a companhia.

-Oi... Quanto tempo eu não te vejo... Você ta diferente, mais magro. Calma, não chora... A gente vai resolver isso, calma. Tá vendo a grade? Explode ela! Tem gente te esperando lá fora. Tua mãe deve ta aflita, coitada da minha mãe! Ah, ela preferia que eu estivesse menino, bola suspensa no ar, chute e gol! E nada mais...
-É Johnny, mas o tempo passou e olha o que te aconteceu! Um animal sem rosto, falando sozinho num lugar escuro! Estou enlouquecendo!
-Calma, não grita, não chora. Se você desesperar, vai te acabar e nada! Tua mãe precisa de você. Precisa... Minha mãe precisa de paz. Eu preciso de mim mesmo, quero me libertar dessa culpa que não me pertence, dessa vida que NUNCA foi minha, dessa sujeira...
Quero de novo estar moleque suspenso no ar, como o pássaro da história que a mãe contava. Voou só uma vez, até que não soube viver ou o mundo não o quis mais.
Tenho areia nos olhos, clareia, clareia...
Olhos pregados no corredor já não esperam outra coisa que as grades se abrirem.

22.5.06

RE re VO cei LU ta ÇÃO

Faça do sujeito, massa.
Pegue a massa amorfa com as mãos e encha de porrada, encha de chumbo, encha de fila, de indignidade, atire humilhação, aponte a arma e o fogo, subestime.
Deixe a massa descansando por tempo indeterminado, frente aos desfiles poderosos, ainda que seu descanso esteja repleto de impotência.
Um dia a massa toma forma de anti-herói, e nasce o anti do que antes não previra, você não se prevenira, nasce, bastardo de sua vontade, filho do seu desprezo.
Faça cara de vítima.
Atire mais humilhação, mate todos os suspeitos, mate todos os malditos, patrocine a miséria,finja que não é com você, diga que está tudo resolvido e que a paz reina enfim.
Tarde demais pro aborto que antes criticara.
A morte segue agindo, não há mais relutância alguma, matar é mais fácil que pensar. A sobrevivência depende da morte. Se fode quem tem cara de bandido. Quem tem cara de bandido?
Pouco importa se é irmão, pai ou filho.
Troque pobre por vagabundo, preto por bandido, favela por ninho.
Errando o copo de veneno sobre a mesa...
Tarde demais.
"De que me vale ser filho da santa, melhor seria ser filho da outra/ outra realidade menos morta/ tanta mentira, tanta força bruta"
Chico

Um dia desses vi um homem por dentro. Sentei num lugar qualquer de um lugar aí, e assim... Não sei como, vi um homem por dentro.
Sozinho, acompanhava o próprio corpo. Tinha olhos audazes, desvendando o mundo imundo.
No momento que captei seu corpo-além, pensava na crucificação, na eterna crucificação diária das possibilidades. Lembrava. Não dava pra assistir suas lembranças, porque não era filme.
Era um via-crúcis cheia de erros. Dias sussurados no escuro com surras, sufoco, silêncio
SILÊNCIO!
Pensava nas pessoas que antes... Antes... Isso era antes. Isso eram só lembranças, sussurava.
Mais vivas que o presente refletido em seus olhos.
Carregava cada ano no lombo de sua alma, e cada lembrança tinha ânsia de viver.
Pensava na crucificação, mote e fim da Roda viva. Via tantos olhos distantes de qualquer coisa que existisse, sabe?
Não, não sabe...
E via cruzes inúteis apodrecendo na ironia.
Pobre espírito... Pobre homem.
E as coisas que existem, são só coisas de querer que elas existam...